Lancenet! mostra 'outro' Rogério Ceni
09/12 - 14h45
Queremos fazer uma entrevista com você, Rogério, mas há apenas uma restrição: é proibido falar de futebol. Essa foi a proposta da reportagem do LANCE!, aceita imediatamente pelo goleiro do São Paulo, eleito pela segunda vez consecutiva o melhor jogador do Campeonato Brasileiro.
Ceni e futebol são tão ligados que foi difícil cumprir o acordo. Tanto para os entrevistadores quanto para ele. Tornou-se irresistível questionar, diante de algumas brechas abertas por Rogério, até quando o torcedor são-paulino poderá vê-lo em campo, por exemplo.
Mas, certamente, o Ceni que irá se mostrar a partir da primeira pergunta é um enigma para todos. Era. A entrevista foi feita no dia 24 de novembro, véspera do jogo contra o Botafogo, em que o goleiro ergueu a taça oficial de campeão brasileiro.
O capitão estava à vontade para revelar os medos, a relação com as filhas, Beatriz e Clara, e Sandra, esposa e “ponto de equilíbrio” da família. Falou de vaidade, política, Copa no Brasil e o desejo de criar uma instituição para cuidar de crianças carentes. Até ensina os leitores a fazer um peixe típico do Mato Grosso, que jura ser delicioso.
Conheça o Rogério Ceni como você nunca viu.
Em campo, você domina as situações. E fora? A postura é a mesma ou você, às vezes, é uma pessoa insegura? Tenho medos e coisas que não domino, mas, mesmo inseguro, é importante demonstrar postura de quem tem confiança no que faz. Mesmo sem domínio total da situação. O importante é demonstrar controle e segurança para quem está em volta. Se estou inseguro, imagine alguém mais jovem. Você tem que transmitir a essa pessoa que está soberano: postura. Quando entra numa sala de reunião, a pessoa não pode sentir que você está indeciso.
Qual medo você tem? Vivo a vida como qualquer um de vocês. Tenho meus receios, medo de ser assaltado num farol à noite. Não tenho medo de avião. Mas tenho medo de mergulhar.
Em campo, você é o porto seguro dos companheiros. E na vida, quem é o seu porto seguro? As pessoas que mais convivem comigo. Minha esposa (Sandra) é a pessoa em quem mais confio no mundo. Não falo confiança de traição, mas de escutar, ouvir opiniões, isso é o principal. Meu amigo Rui Branquinho, em quem confio bastante. Um grande amigo nosso, o Toninho. O Júnior, que cuida das minhas palestras. Acredito muito nos meus poucos amigos. Procuro conhecer as pessoas para depois tentar acreditar nelas. Quando surge algo que foge ao meu poder de decisão, meu conhecimento, são eles que consulto. Tenho amigos, que não fazem parte do contato diário, como muitos de vocês (jornalistas).
Desde quando chegou ao São Paulo, o que mais mudou em sua personalidade? A convivência com as pessoas. Hoje é muito melhor, é até natural, você fica mais velho, entende mais as pessoas. Aprendi a entender que todos querem ganhar, mas cada um tem seu jeito de buscar a vitória. Não posso exigir que meu companheiro queira ganhar da mesma forma que eu , que tenha o mesmo desejo, a mesma intensidade. Aprendi a conviver com as diferenças entre todos nós. Por isso vivo melhor, o convívio é mais saudável, até com vocês. Queria que as coisas acontecessem do meu jeito.
Então, pelo visto, antigamente você queria matar todo mundo quando perdia? Também quero me matar quando não ganho. A pessoa que mais cobro na vida sou eu mesmo, pode ter certeza disso. Só que, às vezes, queria cobrar dos outros da mesma maneira que cobrava de mim. Com o tempo, aprendi que tem que cobrar, exigir, mas cada ser humano tem uma forma diferente de reagir. Nesse sentido evolui muito, aprendi a lidar com essas coisas.
Como é o Rogério dentro de casa? Tranqüilo, bem diferente de três anos atrás quando só tinha minha esposa. Brinco com as crianças o tempo todo que posso, dou banho... Não ponho para dormir porque elas gostam mais de dormir com a mãe.
Você trabalha demais, olha tabela, jogos. Em casa consegue desligar? Não. Fico chateado por não ter mais tempo de ver as crianças crescendo, triste por não levá-las a alguns lugares. As pessoas querem conversar, perguntar, tirar foto, entendo. Mas se saio com elas e não dou atenção, ficam tristes com o pai. Se não dou atenção aos outros, ficam tristes com o pai delas. É delicado, por isso fico muito em casa.
E é um pai durão? Dá bronca? Se for preciso, sim. Elas têm que aprender algumas coisas, às vezes é necessário levantar a voz, mostrar o que é correto, o que é errado. Essa é a função de qualquer pai.
Quem usa a faixa de capitão em casa? Você ou a Sandra? Em casa, temos uma coisa legal: a conversa. Não há decisão única. Decido mais porque minha vida foi sempre de tomar decisões, a Sandra tem um pouco de receio de errar. Mas nunca tivemos problema, sempre há diálogo. Ela é muito mais inteligente, mas tenho “feeling” de decidir uma compra, por exemplo. Sou uma pessoa decidida, com respostas rápidas, ela tem receio de desagradar, é a diferença básica.
Ela é psicóloga, certo? Usa isso com você de vez em quando? Não, é uma coisa natural. Se estou para baixo, ela está mais pra cima. Se estou muito pra cima, ela está um pouco mais pra baixo. É algo natural do relacionamento. A maior virtude dela é a inteligência, o bom senso, é o ponto de equilíbrio da minha família. Os filhos também ajudam muito nesse sentido.
Você é vaidoso? Nem um pouco. Ando de calça, agasalho e camiseta todos os dias. A não ser que algum compromisso exija uma roupa melhor. Ando de tênis todos os dias. O Marco Aurélio (Cunha, superintendente de futebol) me enche o saco para fazer implante de cabelo, falo que não. Não uso relógio, corrente, cremes, não tenho problema com marca. Se não tiver um xampu que gosto, uso o mais barato.
Cuida do seu dinheiro? Sim, sou eu que cuido do pouco dinheiro que tenho.
O segundo mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva é melhor, igual ou pior que o primeiro? Você não é fã dele, certo? O presidente Lula é um cara extremamente carismático, na simplicidade, no jeito de falar. Por isso entendo que uma parte da população goste dele e não tenho nada contra. Só acho que há pessoas mais bem preparadas. Aliás, não adianta uma grande pessoa preparada na presidência, é necessário grandes políticos que auxiliem no Senado, na Câmara... Sinto que há transparência, por meio das CPIs, liberdade para investigações. Mas a condenação, a parte final, mais interessante, que a gente mais espera...
O que imagina para quando parar de jogar? Vai morar no Mato Grosso com seu pai, fora do país, fica em São Paulo? Penso nas três coisas. Gosto de ir ao Mato Grosso, sinto não ter convivido com meu pai, saí de casa muito cedo. Mas minhas filhas não se adaptariam ao estilo de vida. Também penso em morar fora do país, para elas estudarem, se prepararem de maneira melhor. Aqui construí minha vida, está o campo de trabalho. Só a falta de segurança anteciparia minha saída, me faria ir embora mais cedo do São Paulo. Quando a gente tem filhos, se preocupa com isso. Hoje, o mais provável é que fique aqui.
E a Copa do Mundo no Brasil? O que pensa sobre o assunto? Se a gente tivesse certeza que ninguém iria enriquecer ilicitamente, que iriam utilizar o dinheiro investido, que não haveria superfaturamento de estádios... Lamento que isso seja comum no país. O projeto do Pan saiu muito mais caro (o custo estimado para a realização do Pan era de cerca de R$ 720 milhões. Este valor, porém, ultrapassou a marca de R$ 4 bilhões). Acho muito bacana se a população tiver esse retorno futuro. Gera desenvolvimento para um país. Não é só estádio, né? Hotéis serão construídos, as cidades passarão por reformas, aeroportos, estradas, meios de transporte...
Como pessoa pública, cujas atitudes repercutem muito mais, o que pensa em fazer em prol da sociedade? Há algo em prática? Tenho vontade de montar uma fundação, já me passou várias vezes pela cabeça. Só que penso o seguinte: o futebol me ocupa grande parte do tempo. Não teria condições de tomar conta, nem pessoas de plena confiança e próximas para fazerem isso. Como não posso comandar como gostaria, tenho receio que meu nome seja envolvido em algo errado. Mas quando parar de jogar, vou montar alguma coisa destinada às crianças, ou que arrecade dinheiro para instituições que cuidem de crianças.
